Nos campos de altitude, a espécie de planta que os montanhistas mais se identificam é certamente a Chusquea pinifolia, vulgo Caratuva. São vários motivos pra isso, o primeiro é que ela é abundante, o segundo é que ela só aparece em cumes altos, terceiro é um bambuzinho simpático e bastante firme que ajuda muita gente a se equilibrar e subir trilhas íngremes e quarto é que é nome de montanha e foi emprestado para o nome de uma marca de mochila antiga que hoje só é usada por alguns tiozões do tipo Julio Fiori.
Como falei, a Caratuva é um tipo de bambuzinho, mas ela gosta de sol, é portanto uma espécie heliófita. A razão dela apenas existir em cumes mais altos, é que nos mais baixos geralmente são locais onde as chuvas são mais constantes (chuvas orográficas), a umidade constante ajuda na evolução dos solos e na sucessão da vegetação campestre para vegetação florestal. Nestes locais, predominam a chamada florestinha nebular, chamada pelos naturalistas de Floresta Ombrófila Densa Altomontana. A Matinha nebular faz sombra sobre espécies rasteiras como é o caso da Caratuva e por conta disso, nosso simpático bambuzinho deixa de existir.
Existe toda uma discussão sobre as origens dos campos de altitude. Como eles foram parar lá, qual será seu destino e como é sua dinâmica. Naturalistas que estudam a natureza a partir de um ponto de vista evolutivo (história natural) tendem a estudar o passado, através de técnicas de paleo palinologia. Estes estudos afirmam que no passado, na era das glaciações, as montanhas do Sul e do Sudeste eram todas recobertas por estes campos. No Paraná, é provável que os campos da Serra do Mar e os Campos Gerais eram unidos. A região do primeiro Planalto, onde fica Curitiba, era toda composta de campos, tendo apenas alguns capões de Floresta de Araucária em vales protegidos e mais úmidos. Esta é a hipótese que eu defendo e que está publicada em minha dissertação de mestrado e em vários artigos científicos de minha autoria.
Com o fim da glaciação, as temperaturas aumentaram e as chuvas também. O clima ficou mais propenso para a expansão das araucárias, que estavam refugiadas no vale do rio Iguaçu, onde hoje fica o Parque Nacional do Iguaçu em Foz. Os indícios para isso são inúmeros, o próprio Reinhard Maack, em seu famoso mapa fitogeográfico do Estado do Paraná classificou aquela floresta em 1950 como sendo uma mata tropical/subtropical com Lianas (cipós), Syagrus (palmeira Gerivá) - as duas espécies típicas de Floresta Estacional, a mata tropical do interior e Araucaria, advinda do refúgio de Iguaçu. Ou seja, a atual floresta teria se tropicalizado nos últimos 10 mil anos (não copiem, isso é trecho da minha dissertação - SILVA 2009 - referência abaixo).
Diversas pessoas puderam ao longo de poucos anos notar que os campos de altitude na Serra do Mar estão se retraindo em detrimento das matinhas nebulares. Este seria o destino de nossos lindos campos, a extinção, uma extinção natural por conta da manutenção de um clima desfavorável à sua presença. Mas, se analisarmos bem, 10 mil anos se passaram desde o fim da Glaciação e eles ainda estão lá. É exatamente esta a polêmica em que naturistas sistêmicos e os de história natural se divergem. O primeiro afirma que os campos estão ali por uma questão pedológica, ou seja, estão preservados porque as matas não avançam sobres solos rasos e frágeis onde estão situados. Os segundos afirmam que os campos se mantiveram por que queimadas naturais, que acontecem uma vez a cada 20 anos, limitam o crescimento de florestas e mantem os campos, que são resistentes à estas interferências. Ambos tem razões e é difícil afirmar qual ideia é a mais correta.
No último final de semana estive na Serra da Farinha Seca e num acesso súbito de vagabundice tomei uma sábia decisão de só caminhar até o cume do Pequeno Polegar e não ir mais adiante naquelas montanhas pouco conhecidas. A Farinha Seca é a serra que fica entre o Marumbi e o Pico Paraná, é exatamente a menos conhecida do espigão principal da Serra do Mar por ter os cumes mais baixos e sem muitos campos, com exceção do Mãe Catira, Pequeno Polegar, Tapapuí e Macacos. Estávamos eu, Edenilson, Julio e Moisés, somente no segundo cume de Norte para Sul e naquelas 3 horas de caminhada, já estava tão ensopado, que pesado com a água que enxugava, minha cueca já caia dentro das calças. O corpo e roupa úmida grudava tudo o que era semente, as de Caratuva predominavam.
O Julio Fiori, que caminha nestas serras há mais de 30 anos, já conhece bem a dinâmica do mato e me alertou para aquelas sementes. "São de Caratuvas" _ Disse ele. "Elas rebrotam de 7 em 7 anos, mas se não encontram luz, morrem todas, até que um incêndio aconteça e elas voltam". O Fiori não é biológo e nem conhece de plantas, mas como um matuto, já tinha observado os hábitos de vida do mato. Não é de se estranhar que as Caratuvas estejam prontas para rebrotar este ano. Estamos no meio de um ano de La Niña e o tempo tem ficado mais seco que o normal, por mais que exatamente naquele final de semana tenha passado uma frente fria provocando chuvas. Este ano tem sido um dos melhores para o montanhismo do Paraná exatamente pela falta de chuva. Será que a Caratuva está pressentindo a seca para produzir tantas sementes?
O fato é que fazem 5 anos que não ocorre uma grande queimada na Serra e possivelmente este ano tem grande potencial para isso. Pelo menos é isso o que as Caratuvas - aparentemente - esperam. Se elas falassem, a gente poderia por um fim na polêmica das queimadas...
O que eu acredito ter acontecido há 10 mil anos atrás
Encostas do Mãe Catira com vista para o Planalto, hoje uma grande floresta
Vegetação do topo do Pequeno Polegar, onde se observa Caratuvas já em meio a espécies de matinha nebular. Campo a caminho da extinção?
Mais Caratuvas
Sementes
Farinha Seca como é na maior parte do tempo: Molhado!
Referência:
CERRADOS, CAMPOS E ARAUCÁRIAS: A TEORIA DOS REFÚGIOS FLORESTAIS E O SIGNIFICADO PALEOGEOGRÁFICO DA PAISAGEM DO PARQUE ESTADUAL DE VILA VELHA, PONTA GROSSA - PARANÁ, Dissertação (mestrado). Programa de Pós Graduação em Geografia - UFPR 2009.