Acontece que, quando sou motivado, eu não páro de falar e em pouco tempo, falei de minhas pesquisas sobre a origem do domínio dos planaltos das Araucárias, os campos que existem no Sul do Brasil, nas montanhas e também a razão para que as árvores de cerrado sejam tão pequenas e retorcidas, relacionando-as com a própria origem dos chapadões do Brasil Central, que são recobertos por cerrados, mas penetrados por matas galerias.
Papo vem, papo vai, contei da teoria do xeromorfismo de Schimper e do Escleromorfismo Oligotrófico e aluminotóxico do Mario Guimarães Ferri, excelente botânico e cientista, que foi, inclusive, reitor da Universidade de São Paulo. Não sei se eles entenderam bem, mas depois disso ficaram tirando onda de mim, dizendo que tudo é obra do dilúvio! Hehehehe... Foi engraçado....
Sem querer, acabei me deparando com este texto, que fala exatamente do dilúvio e os geomitos, muito interessante!
Os grandes eventos catastróficos sempre mexeram com o imaginário popular, incapaz de lhes dar uma explicação adequada para sua compreensão. Seriam fruto de uma força sobrenatural superior, possivelmente produzidos por entidades mitológicas ou deuses enraivecidos que puniam quem os contrariava. Surgiram, assim, os grandes mitos ou lendas, numa mistura complexa de contos sobre a origem do mundo natural e a história de seus primeiros habitantes. As associações dos eventos geológicos com o inexplicável resultaram na criação do termo “geomitologia”, o qual se refere às lendas que procuram explicar, através de metáforas poéticas e do imaginário mitológico, a razão de acontecimentos como as tempestades, os terremotos e as atividades vulcânicas. Conhecimentos recentes, à luz da ciência geológica moderna, permitem explicar muitos dos mitos e das lendas elaboradas pelos povos antigos, como os exemplos que serão apresentados
De todos os eventos, sem dúvida o mais conhecido e comentado é o dilúvio bíblico protagonizado por Noé. Sua origem, entretanto, estaria relacionada a uma antiga lenda da Mesopotâmia que descreve as aventuras de Gilgamesh, um herói da região, à procura da eternidade.
Veja completo em: Comciência
Mais interessante é ver que a história do Dilúvio, estudado pela ciência, mostra uma relação direta com o período do holoceno médio e um grande aumento dos níveis do mar, isso há 5 mil anos atrás. Um período que paleogeográfos do quaternário (como eu) chamam de optimum climaticum, que foi uma época em que as temperaturas foram mais altas que na atualidade e que resultou num aumento do nível do mar em escala global.
No Brasil, este aumento do nível do mar foi responsável pelas “rias” que são desembocaduras largas de rios pequenas que chegam nos oceanos. Uma morfologia muito comum no litoral do Nordeste. Este evento ainda foi muito importante no esculpimento de baias em país inteiro, como a própria baia de Guanabara. Veja no gráfico ao lado, as variações no nível do mar no Brasil no últimos 10.000 anos.
Outra coisa interessante é a paleoclimatologia do optimum climaticum, pois este aumento de temperatura proporcionou um avanço da flora de caatinga sobre algumas depressões interplálticas do Brasil Central e Nordeste, vindo a causa a extinção do resto de mega fauna pleistocênica que havia resistido às extinções em massa que houve com a Glaciação Würm Wisconsin, dentre 30 mil até 10 mil anos atrás.
A mega fauna eram animais de grande porte, como Mastodontes (elefantes), Taxodons (tipo de um hipopótamo), Gliptodonte (tatu gigante), Preguiça Gigante, Hippidion (cavalos), Tigre dente de Sabre, entre outros. Todos animais que habitavam o nosso cerrado e se extinguiram por razões climáticas.
Eu tenho um artigo muito interessante sobre estas extinções e os conhecimentos dos paleoambientes do Nordeste brasileiro, focando principalmente o caso da Serra da Capivara, no Piauí, onde estes animais conviveram com o homem pré-histórico, veja na íntegra o artigo publicado na Revista Estudos Geográficos.
Como percebem, gosto muito de fazer relações entre as diversas áreas de conhecimento. Para mim, não foi diferente em minha dissertação de mestrado, onde eu tive que aprender muita coisa de outras ciências, que não geográficas, para conseguir interpretar as origens das paisagens dos planaltos do Sul do Brasil, os planaltos das Araucárias.
Este meu trabalho foi muito bem recebido, pois foi o primeiro trabalho que integrou conhecimentos geomorfológicos, paleoclimáticos e botânicos, se esforçando em refazer o caminho de evolução da paisagem do tipo comum nos planaltos e principalmente entender aquelas paisagens que destoa este tipo comum, conformando as chamadas paisagens de exceção, como é o caso dos cerrados de Campo Mourão, ou de Jaguariaíva no Paraná, os locais onde ocorrem os cerrados mais setentrionais no Brasil.
Se vocês se animaram em chegar até aqui, quem sabe não se animam em ler a pesquisa na íntegra?
Recentemente o prof. Dr. Adler Viadana, do Depto de Geografia da Unesp de Rio Claro – SP, que muito me influenciou a estudar paleogeografia e em especial a Teoria dos Refúgios Florestais, leu minha dissertação e teceu o seguinte comentário:
Olá Pedro. Acabei de ler a sua dissertação de mestrado e considero a melhor que tive contato até hoje. A proposta foi bastante original e o resgate da paisagem como categoria espacial de análise geográfica está excelente. O texto é convincente e muito bem fundamentado na literatura (por sinal bastante diversificada). Além disto a condução metodológica (via interpretação) revela sua maturidade como pesquisador. As diferentes escalas trabalhadas no tempo e espaço traduzem sua versatilidade como geógrafo. Os mapas e as fotos são muito significativas e o desfecho na direção da interpretação paleogeográfica e a sua evolução (Vila Velha) atesta que você conhece a Teoria dos Refúgios com grande competência. Na minha opinião o seu mestrado é nível de um doutorado. A bibliografia traduz o seu empenho desmensurado na busca de informações e as conclusões são contundentes e o seu trabalho apresenta grande valor social (preservação da natureza). Parabéns Pedro, você merece! Com um grande abraço do Adler.
Fiquei todo faceiro! Agora estou com um projeto de Doutorado que será muito interessante e desta vez, um estudo direto sobre as origens e evolução das montanhas brasileiras. Quem foi que disse que no Brasil não tem montanhas e nem tectonismo? Aguarde!
Ah, você acha que me esqueci de falar sobre a circundesnudação pós cretácica? Já chega né! Vamos deixar para a próxima...